Traducción al portugués en Rogério Lacaz-Ruiz, Encontros, Roca, Sao Paulo 2003, 174-179



Filosofia para um novo século



Jaime Nubiola
Universidade de Navarra
jnubiola@unav.es





Faz umas poucas semanas que o conhecido filósofo e escritos Umberto Eco recordava ao receber o título de doutor Honoris Causa pela Universidade Hebrea de Jerusalém, que nas mudanças do mundo atual as Universidades são um dos poucos lugares onde é possível a comparação racional entre as diversas visões do mundo. Isto é assim porque nas Universidades não só existe o silêncio1 do estudo, como também o diálogo capaz de contrastar pareceres. "Nós —dizia Eco—, pessoas da Universidade, estamos chamados a livrar sem armas letais uma infinita batalha pelo progresso do saber e da compaixão humana".

Me parece que este duplo convite aos professores universitários, a aqueles que temos dedicado nossa vida a buscar a verdade e a ensinar esta busca a outros, tem uma extraordinária importância. Não só é missão nossa o crescimento do saber, senão também o dilatar a compaixão humana. Nos encontramos numa sociedade que vive numa amalgama impossível de um suposto fundamentalismo cientista sobre os fatos e de um ceticismo generalizado sobre os valores. Se trata de uma miscelânea de uma ingênua confiança na Ciência com maiúscula e daquele relativismo perspectivista que expressou tão bem o poeta Campoamor com seu "nada é verdade nem mentira, tudo é segundo a cor do vidro com que se olha". Tal divisão entre ciência e ética, que fixa a verdade a ciência e a seus enunciados e a simples opinião aos valores e questões vitalmente mais importantes, torna o começo deste novo século um tanto insuportável. Nós, os seres humanos anelamos uma integração razoável das diversas facetas da nossa vida, de nosso reflexão teórica e de nossa experiência, do pensamento e da vida.

Neste novo século a missão que compete a quem se dedica a Universidade, e muito particularmente a filosofia, é com segurança a de tratar de suturar as brechas que o positivismo ainda dominante causou na compreensão que os seres humanos temos de nós mesmos. O desenvolvimento formidável das ciências e da tecnologia nos últimos séculos mostra de modo fidedigno a capacidade humana de progredir na compreensão dos problemas e na identificação dos meios para enfrentá-los com êxito. Sem dúvida é preciso ter em conta que o desenvolvimento efetivo das ciências não leva ao término dos problemas mediante sua definitiva solução, senão que antes, pelo contrário, em muitos campos conduz a detecção de novos problemas ainda mais difíceis ou mais profundos que até agora tinham sido passado por cima. Neste sentido é possível dizer que, conforme cresce o saber, o que principalmente aumenta é o não saber, isto é, nossa consciência das muitas coisas que ainda não sabemos nem entendemos.

A história da ciência proporciona uma lição luminosa mediante a conhecida distinção de Marcel entre mistérios e problemas. Enquanto que os problemas são aquelas questões para as que contamos com meios intelectuais para abordá-las e inclusive as vezes solucioná-las, muitas das grandes questões que afetam a vida humana não podem ser solucionadas ou domesticadas pelas ciências. Por isto neste novo século, depois de décadas de um cientismo sufocante, resulta indispensável recuperar o sentido do mistério que freqüentemente envolve as questões que vitalmente mais nos importam. As questões éticas e sociais não podem ser subtraídas da razão humana para ser transferidas à instâncias religiosas ou a outras autoridades. A aplicação da inteligência aos problemas morais é em si mesmo uma obrigação moral (Putnam). A razão humana que com tanto êxito se aplicou nos mais diversos ramos científicos deve se aplicar também arrojar luz sobre os problemas morais e sobre a melhor maneira de organizar a convivência social. Da mesma maneira que o trabalho cooperativo dos cientistas ao longo de sucessivas gerações conseguiu um formidável domínio das forças da natureza, uma descoberta das suas leis básicas e um prodigioso desenvolvimento tecnológico2, cabe esperar que a aplicação da razão humana as questões éticas e sociais produzirá resultados semelhantes. No fim das contas, nossas crenças morais e nossas crenças científicas são artefatos criados pelos seres humanos para temo-las com nossos problemas e necessidades vitais.

Diante do diagnóstico dos pós modernos que advogam pela dissolução da filosofia na literatura e frente ao fundacionalismo cientista dos herdeiros do Círculo de Viena, ao recente ressurgimento do pragmatismo na filosofia é um caminho intermediário, com pretensões talvez mais modestas, mas que por estar ancorado na experiência, aspira afrontar melhor o desafio de dar razão do efetivo crescimento histórico da verdade. Se trata de um enfoque essencialmente operativo e prático, herdeiro da tradição aristotélica e dos melhores resultados da teorização contemporânea sobre a investigação científica, que concebe a verdade como aquilo que os seres humanos —tanto aos cientistas como aos filósofos e os cidadãos, tenham a possibilidade— primordialmente de anelarmos e buscarmos.

Adotar esta perspectiva significa destacar que a busca da verdade não é um problema "teórico", senão que se trata antes de uma questão genuinamente prática que a todos afeta, e além do mais compete profissionalmente ao filósofo a tarefa de proporcionar um enfoque adequado. Como escreveu Alejandro Llano, "a filosofia nem sempre havia concedido a verdade prática a atenção que merece. Mas só é viável reabilita-la quando não se extrapola. Porque quando o valor da praxis humana se torna absoluto o valor da verdade se dissolve". Tornar absoluto o valor da praxis seria pensar que a verdade é meramente algo fabricado pelos seres humanos (pragmatismo vulgar), e neste sentido, algo arbitrário, relativo e por tanto, no final das contas, e valor escasso. O que quero afirmar, em troca, é que as verdades se descobrem e se forjam no seio de nossas práticas comunicativas; que a verdade —como deixou escrito Platão— se busca em comunidade; que —em expressão de Debrock— "não existe verdade fora da busca, ainda que não é a busca a que causa a verdade".

Destacar a dimensão comunitária da busca da verdade acentua o caráter social e público da verdade, isto é, sua objetividade que transcende as perspectivas subjetivas, locais e particularizadas. O desenvolvimento tecnológico, os livros, as ciências, as artes, a filosofia, as discussões que impregnam de modo generalizado nosso viver, não deixam lugar ao ceticismo. O reconhecimento de que as divisões entre os seres humanos singulares e entre os povos são conseqüência em grande parte de que cada um está convencido de possuir exclusivamente a verdade, ajuda a entrever as vias para regenerar os espaços comunicativos. Se trata de articular de modo enriquecido o novo com o antigo, de unir uma geração às outras, de construir novas pontes entre as tradições, as culturas e os saberes (Rorty). Para ele é preciso forjar novas relações de comunicação entre as pessoas fundamentadas no amor a verdade, no respeito a pluralidade, no aceitar as limitações pessoais, as de cada um e nas da própria coletividade, mas unidas estas pessoas numa comum convicção sobre o extraordinário valor criativo de sua cooperação. A quem se dedica a filosofia corresponde talvez em particular o chegar a conceber com sua imaginação os novos leitos que requer o desenvolvimento destas relações comunicativas. Não se trata de uma honra, senão o cumprimento de um dever, de assumir uma responsabilidade a que no século XX renunciaram boa parte dos filósofos.

Tradução do Prof. Dr. Rogério Lacaz-Ruiz (FZEA/USP - Campus de Pirassununga)






Notas

1. Neste sentido, é possível entender inclusive o silêncio como condição para fazer ciência no artigo que pode ser lido no URL http://www.usp.br/fzea/zab/silencio.htm (Nota do tradutor)

2. Existiram e existem muitas pessoas capazes de sintetizar o conhecimento num determinado ramo do saber, e a sociedade agradece a presença destas pessoas iluminadas, (cf. http://www.hottopos.com/videtur3/lacaz.htm) e o mesmo pode ocorrer no campo das chamadas humanidades. (Nota do tradutor)



Última actualización: 27 de agosto 2009

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